Após quase 30 anos de jornalismo profissional, tendo atuado na apresentação, produção e direção de diversos telejornais e radiojornais nas principais emissoras do Brasil, observo à distância, mas com o coração apertado, o rumo que meu país natal tem tomado.
A Condenação que Chocou o Mundo do Humor
A Justiça Federal não apenas determinou a prisão de Léo Lins em regime inicialmente fechado, como também impôs uma multa equivalente a 1.170 salários mínimos e uma indenização de R$ 303,6 mil por danos morais coletivos. O motivo? Um vídeo de stand-up comedy intitulado “Perturbador”, que continha piadas sobre diversos grupos sociais.
Como bem apontou a defesa do humorista, esta é “uma condenação equiparada à censura” e representa “um triste capítulo para a liberdade de expressão no Brasil”. Ver um humorista receber sanções equivalentes às aplicadas a crimes como tráfico de drogas, corrupção ou homicídio é algo que me faz questionar profundamente os rumos da justiça brasileira.
Dois Pesos, Duas Medidas: A Justiça Brasileira Vista de Fora
Aqui de Portugal, onde a liberdade de imprensa e expressão seguem parâmetros diferentes, fica ainda mais evidente o contraste gritante entre decisões judiciais no Brasil. Enquanto um comediante é sentenciado a oito anos de prisão por contar piadas, o mesmo Supremo Tribunal Federal que, em 2023, chegou a suspender a censura ao vídeo de Léo Lins (considerando que ia contra as liberdades constitucionais), agora se cala diante desta sentença desproporcional.
E onde está esse mesmo rigor quando se trata de políticos acusados de desviar milhões dos cofres públicos? Em março de 2025, o STF ampliou o foro privilegiado para investigações continuarem no tribunal após o fim dos mandatos, criando um escudo protetor para a classe política. Enquanto isso, o Brasil registra sua pior nota e posição da série histórica no Índice de Percepção da Corrupção.
O Caso das Mães do 8 de Janeiro: Outra Face da Mesma Moeda
Como jornalista que acompanha diariamente as notícias do Brasil, mesmo estando em outro continente, não posso deixar de mencionar as mães de família que seguem presas desde janeiro de 2023, acusadas de participação nos atos de 8 de janeiro. Mulheres como Vanessa Vieira, mãe de seis filhos, cujo marido foi condenado a 14 anos de prisão. Ou Juliana, Ana Flávia, Jaqueline, Josilaine, Débora e Edineia, todas mães de filhos menores de idade que permanecem encarceradas.
Essas mulheres são tratadas como terroristas perigosas, enquanto o suposto “golpe de Estado” que tentaram promover não passou de uma manifestação que, embora tenha resultado em vandalismo condenável, jamais teve chance real de derrubar as instituições democráticas. Não houve tanques nas ruas, não houve tomada de quartéis, não houve qualquer plano militar organizado.
O Brasil Visto de Longe: Perspectivas de um Jornalista Expatriado
A distância geográfica às vezes proporciona uma clareza que a proximidade ofusca. Daqui, do outro lado do oceano Atlântico, observo um Brasil onde a liberdade de expressão, pilar fundamental de qualquer democracia, está sendo sistematicamente atacada. O caso de Léo Lins é apenas a ponta do iceberg. Hoje é um humorista que faz piadas consideradas ofensivas. Amanhã pode ser um jornalista que publica uma reportagem investigativa sobre corrupção.
Como bem observou Antônio Tabet, “pode-se não achar a menor graça ou até detestar as piadas de Leo Lins, mas condená-lo à prisão por elas é uma insanidade e um desserviço”. Fabio Porchat, outro humorista respeitado, classificou a decisão como “uma vergonha” e “inaceitável”.
Jonathan Nemer resumiu perfeitamente a hipocrisia do sistema: “Enquanto humoristas são condenados a prisão, bandidos de verdade, perigosos, são soltos, e em alguns casos, são reeleitos”.
Que Brasil é Este que Observo à Distância?
Que Brasil é este que observo de longe, com o olhar de quem dedicou quase três décadas à comunicação brasileira? Um país onde a justiça parece ter perdido completamente o senso de proporção. Um país onde contar piadas pode te levar à cadeia por oito anos, mas desviar milhões dos cofres públicos raramente resulta em punições efetivas.
É hora de questionarmos profundamente o rumo que o Brasil está tomando. É hora de perguntarmos: a quem serve esta justiça seletiva? Quem se beneficia do silenciamento de vozes dissonantes, sejam elas de humoristas, jornalistas ou cidadãos comuns?
O Compromisso de um Jornalista com a Verdade, Mesmo à Distância
Mesmo estando em Portugal, mantenho meu compromisso com o jornalismo brasileiro e com a defesa da liberdade de expressão. A liberdade de expressão não é um privilégio. É um direito fundamental, conquistado a duras penas ao longo de nossa história.
Como jornalista e cidadão brasileiro sinto na pele o medo crescente de expressar opiniões, de questionar autoridades, de investigar irregularidades. Já paguei um preço muito alto por isso, e no momento em que mais precisei, fui entregue aos leões. Se um humorista pode ser condenado a oito anos de prisão por piadas, o que aguarda um jornalista que publique uma reportagem que desagrade aos poderosos?
Não faltam exemplos de perseguição!
Este não é o Brasil pelo qual lutei durante tantos anos nas redações. É tempo de resistir, de levantar a voz enquanto ainda podemos, de exigir uma justiça verdadeiramente justa, que não se curve aos interesses políticos e ideológicos do momento.
Porque, no fim das contas, a pergunta que não quer calar é: depois do humorista, quem será o próximo?
Uma constatação: Os que hoje aplaudem, podem provar do próprio veneno lá na frente.
A vida é uma eterna roda gigante.
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