A assessoria jurídica da ASPRA/SE (Associação de Praças Policiais e Bombeiros Militares de Sergipe), através do advogado Márlio Damasceno, obteve vitória em ação de Obrigação de Fazer, junto ao Juizado da Fazenda Pública da Comarca de Aracaju, assegurando ao associado bombeiro militar, Subtenente Elielson Silva, o direito constitucional de atuar na área de educação, lecionando, em seus horários de folga.
Tal direito vinha sendo desrespeitado pelo antigo Comandante do CBMSE (Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Sergipe), que emitiu uma instrução técnica, que entendia que bombeiros militares não poderiam atuar na área de educação e na área de saúde, em seus horários de folga, ou seja, não havia prejuízo para o trabalho como bombeiro militar.
Mesmo existindo uma emenda constitucional aprovada em junho de 2019, o então comandante do CBMSE mantinha-se irredutível, tendo a assessoria jurídica da ASPRA/SE, ajuizado a ação competente em prol do seu associado, a qual foi julgada procedente a ação, assegurando ao autor e demais bombeiros militares na mesma situação, o direito constitucional de lecionar e atuar na área da saúde, reconhecendo a inconstitucionalidade da instrução técnica 46/2019 emanada do comando do CBMSE.
Confiram a sentença abaixo favorável ao associado da ASPRA/SE:
Autor: Elielson Silva
Réu: Estado de Sergipe
Processo nº 201940904668
SENTENÇA
Vistos etc.
Dispensado o relatório nos termos do art. 38, caput, da Lei nº 9.099/95.
Cinge-se a questão em saber se bombeiro militar pode ministrar aulas particulares no setor privado.
Considero que a lide está madura, para julgamento, nos molde do art. 355, I, do CPC.
O Corpo de Bombeiros Militar de Sergipe editou uma Instrução Técnica de nº 46/2019, onde o em seu item 7.4 veda o acúmulo de função militar de bombeiro com a de professor particular, in verbis:
“7.4. É vedado o credenciamento de bombeiros militares da ativa do CBMSE, por empresas que exerçam atividades de formação, reciclagem, ou implantação das brigadas de incêndio e bombeiro civil, podendo ser credenciado no CBMSE para Instrutor de Curso conforme descrito no item 5.5
desta IT”
O art. 29, § 3º, da Lei nº 6880/1980 (Estatuto dos Militares) preconiza:
“Art. 29. Ao militar da ativa é vedado comerciar ou tomar parte na administração ou gerência de sociedade ou dela ser sócio ou participar, exceto como acionista ou quotista, em sociedade anônima ou por quotas de responsabilidade limitada.
§ 1º Os integrantes da reserva, quando convocados, ficam proibidos de tratar, nas organizações militares e nas repartições públicas civis, de interesse de organizações ou empresas privadas de qualquer natureza.
§ 2º Os militares da ativa podem exercer, diretamente, a gestão de seus bens, desde que não infrinjam o disposto no presente artigo. § 3º No intuito de desenvolver a prática profissional, é permitido aos oficiais titulares dos Quadros ou Serviços de Saúde e de Veterinária o exercício de atividade técnico-profissional no meio civil, desde que tal prática não prejudique o serviço e não infrinja o disposto neste artigo.”
O que se percebe dos comandos normativos retromencionados é o objetivo de impedir que o militar assuma a linha de frente de uma atividade empresarial, até porque não se impede que ele seja sócio ou quotista, só não pode está no execício direto da gerência mercantil. Por óbvio, em um sistema capitalista, com possibilidade de intervenção do Estado na economia, de acordo, com a Constituição Federal de 1988, em regra, as pessoas podem gerir seus bens particulares. No caso do militar, ele também pode, desde que não implique no exercício de função de gerência empresarial.
O art.42, §3º, da CF c/c o art.37, XVI, da CF, permite o acúmulo de cargos públicos de servidores, o que não se aplica a hipótese dos autos, pois estamos diante da acumulação de um cargo público (bombeiro militar) e outro particular (professor em empresa privada). Porém, a título ilustrativo, transcrevo abaixo, as hipóteses das acumulações:
“[…] XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
a) a de dois cargos de professor; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; [...]”
Cito dispositivos da Lei Estadual nº 2006/76, pertinentes a solução desta lide:
Art.27 - O sentimento do dever, o pundonor policial-militar e o decoro da classe impõe, a cada um dos integrantes da Polícia Militar, conduta moral e profissional irrepreensíveis, com observância dos seguintes preceitos da Ética policial-militar:
[…]
IV - Cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos, as instruções e as ordens das autoridades competentes;
XVIII - Abster-se o policial-militar na inatividade do uso das designações hierárquicas quando:
a) em atividades políticos-partidárias;
b) em atividades comerciais;
c) em atividades industriais;
Art. 28 - Ao policial-militar da ativa. Ressalvado o disposto no parágrafo 2º, é vedado comerciar ou tomar parte na administração ou gerência de sociedade ou dela ser sócio ou participar, exceto como acionista ou quotista em sociedade anônima ou por quotas de responsabilidade limitada.
§ 1º - Os policiais-militares na reserva remunerada, quando convocados, ficam proibidos de tratar, nas organizações policiais-militares e nas repartições públicas civis, dos interesses de organizações ou empresas privadas de qualquer natureza.
§ 2º - Os policiais-militares da ativa podem exercer, diretamente, a gestão de seus bens, desde que não infrinjam o disposto no presente artigo.
§ 3º - No intuito de desenvolver a prática profissional dos integrantes do Quadro de Saúde, é lhes permitido o exercício da atividade técnico-profissional, no meio civil, desde que tal prática não prejudique o serviço.
Os dispositivos retromencionados permanecem na mesma linha do Estatuto dos Militares, o nde estes podem gerir seus bens particulares, podendo integrar até uma sociedade empresarial, exceto exercendo diretamente a atividade mercantil na função de gerência da empresa ou em função administrativa.
Agora vejamos algumas disposições da Lei Complementar Estadual nº 291 de 21/08/2017:
“Art. 5° A honra, o sentimento do dever militar e a correção de atitudes impõe conduta moral e profissional irrepreensíveis a todos os integrantes das CMEs, os quais devem observar os seguintes princípios de ética militar:
[...]
XIII – abster-se de fazer uso do posto ou da graduação para obter facilidade pessoal de qualquer natureza ou encaminhar negócios particulares ou de terceiros;
[…]
Art. 14. São transgressões disciplinares de natureza grave:
X – exercer, em caráter privado, quando no serviço ativo, diretamente ou por interposta pessoa, atividade ou serviço cuja execução ou fiscalização caiba à Polícia Militar ou ao Corpo de Bombeiros Militar ou que se desenvolva em local sujeito à sua atuação;
Numa interpretação teleológica, estes dispositivos não se compatibilizam com uma exegese, que venha impedir o exercício de uma atividade privada particular, sem configuração empresarial, nos termos do parágrafo único do art.966 do CC, in verbis:
“Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.”
Ora, se não é vedado a um militar ser sócio ou quotista de uma sociedade empresarial, qual a lógica de lhe vedar o exercício da atividade intelectual de professor, ministrando aulas para uma empresa privada, desde que, guarde compatibilidade de horários com o exercício do cargo de bombeiro militar e, desde que não haja comprometimento de sua jornada normal de trabalho no ambiente castrense ? Não há amparo esta vedação, quando interpretamos todos os dispositivos aqui citados, de forma sistemática, extraindo-se a sua teleologia.
Nesta linha, considero que, ao militar bombeiro, é permitido lecionar aulas particulares em empresas privadas, desde que respeitada a vedação de exercer cargo ou função de gerência e, desde que haja compatibilidade de horários com o serviço militar, sem prejuízo de sua jornada normal de trabalho castrense, bem como sem envergadura empresarial (art.966, caput, CC), porque na dicção do art. 29, § 2º, da Lei Federal nº 6880/80 e do art.28, § 2º, da Lei Estadual nº 2006/76, está implícito a gerência do seu bem intelectual, abrangido pelo parágrafo único do art. 966 do CC.
Destarte, para lecionar, como professor particular credenciado a uma empresa privada, não há proibição normativa, já fazer do ensino uma atividade empresarial é ilegal, pois as disposições normativas citadas vedam.
Desta forma, é ilegal o item 7.4 da Instrução Técnica nº 46/2019 expedida pelo Corpo de Bombeiro Militar, sendo ato normativo interno da Corporação, que não pode ir de encontro à Lei Federal nº 6880/80 e à Lei Estadual nº 2.066/76.
Registre-se também que o simples exercício da atividade intelectual de lecionar, ainda que remunerada, sem conotação empresarial ou sem exercício de cargo de gerência, subsistindo compatibilidade de horário e sem prejuízo a jornada de trabalho castrense disciplinada por lei, não pode dar azo, para punir o bombeiro, por transgressão militar ou puni-lo nas penas do art. 310 do CPB, pois não constitui infração disciplinar nem é serviço típico da administração militar, ou seja, aqueles que o militar está obrigado a fazer em razão do ofício.
TUTELA ANTECIPADA
Passada a fase instrutória, nos termos do art. 300 do CPC, evidencia a probabilidade do direito, com arrimo no art.29, § 2º, da Lei Federal nº 6880/80 e do art.28, § 2º, da Lei Estadual nº 2006/76, c/c o parágrafo único do art. 966 do CC, bem como a o perigo da demora, pois a vedação de lecionar no setor privado interfere na capacidade econômica do autor. Assim, impõ-se a tutela, para determinar que o Corpo de Bombeiro de Militar, vinculado ao Estado de Sergipe, permita o autor a lecionar no setor privado, desde que a atividade não assuma envergadura empresarial, por parte do autor, nem cause prejuízo ao serviço militar e de sua respectiva jornada de trabalho, subsistido o dever do autor de informar local , dias e horas sobre a atividade particular de lecional, estando isento o autor de sanção disciplinar ou penal, nos moldes da atividade intelectual aqui definida.
DISPOSITIVO
Ante o exposto e por tudo mais que dos autos consta, com fulcro no art. 487, I, do CPC, JULGO PROCEDENTE o pedido autoral extinguindo o feito com resolução do mérito, para que o Corpo de Bombeiro de Militar, vinculado ao Estado de Sergipe, permita o autor a lecionar no setor privado, desde que a atividade não assuma envergadura empresarial, por parte do autor, nem cause prejuízo ao serviço militar e de sua respectiva jornada de trabalho, subsistido o dever do autor de informar local , dias e horas sobre a atividade particular de lecionar, estando isento o autor de sanção disciplinar ou penal, nos moldes da atividade intelectual aqui definida, nos termos do parágrafo único do art.966 do CC.
Concedo a tutela antecipada, nos termos do art. 300 do CPC, conforme fundamentação exarada nesta sentença,para que o Corpo de Bombeiro de Militar, vinculado ao Estado de Sergipe, permita o autor a lecionar no setor privado, desde que a atividade não assuma envergadura empresarial, por parte do autor, nem cause prejuízo ao serviço militar e de sua respectiva jornada de trabalho, subsistido o dever do autor de informar local , dias e horas sobre a atividade particular de lecionar, estando isento o autor de sanção disciplinar ou penal, nos moldes da atividade intelectual aqui definida, nos termos do parágrafo único do art.966 do CC.
Intimem-se, pessoalmente, o Corpo de Bombeiro Militar/SE e o Estado de Sergipe, do conteúdo da tutela antecipada.
Sem custas e honorários, nos termos do arts. 54 e 55, ambos da Lei nº 9.099/95.
Deixo de apreciar eventual pedido de gratuidade judiciária neste momento, porquanto, em sede de juizado, não há condenação em custas processuais e honorários advocatícios no 1º grau de jurisdição, podendo a parte requerente renovar tal pleito, caso interponha recurso inominado, sendo a Turma Recursal competente para apreciá-lo.
Interposto o recurso, e após o prazo para a apresentação das contrarrazões, com ou sem manifestação da parte recorrida, remetam-se os autos à Turma Recursal.
Após trânsito em julgado desta decisão, arquivem-se os autos.
P.R.I.
DR. HENRIQUE GASPAR MELLO DE MENDONCA
Juiz de Direito do Juizado Especial da Fazenda Pública
Matéria do blog Espaço Militar
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