A assessoria jurídica da AMESE, através do Dr. Márlio Damasceno, obteve mais uma vitória para associado da entidade, desta feita para o Cabo Marcos Aurélio Moura de Melo, referente ao processo nº 201500324615, perante a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe.
O militar tinha sido condenado pela 6ª Vara Criminal da Comarca de Aracaju, à pena de um ano de detenção, pela suposta prática do delito contante do artigo 163 do Código Penal Militar, sob a alegação de que teria se recusado a dirigir a viatura policial, desobedecendo a uma determinação de superior hierárquico.
Inconformada com tal condenação, a defesa do citado cabo, interpôs recurso de apelação postulando a absolvição do mesmo, mostrando que não foi desejo do militar se recusar a dirigir a viatura policial, porém o mesmo estava passando por problemas psiquiátricos e também psicológicos, face ao falecimento de sua genitora, poucos dias anteriores ao fato.
Ressaltamos que o advogado da AMESE adentrou ao processo após o julgamento perante a 6ª Vara Criminal, acompanhando o trâmite perante a Câmara Criminal.
Ao apreciar o recurso apresentado, a Câmara Criminal, por unanimidade (3x0), deu provimento à apelação, reformando a decisão de 1º grau e absolvendo o Cabo Marco Aurélio Moura de Melo do delito que lhe era imputado.
Confiram abaixo a parte final do acórdão que absolveu o associado da AMESE:
Cuidam os autos de APELAÇÃO CRIMINAL interposta pelo réu MARCOS AURÉLIO MOURA DE MELO contra a sentença do Conselho Permanente de Justiça Militar que o condenou pela prática do crime de recusa de obediência, cuja sanção está prevista no art. 163 do Código Penal Militar.
A defesa busca em seu recurso a absolvição do réu, argumentando que o mesmo não teve a intenção de prejudicar o serviço, na realidade, não possuía condições de dirigir a viatura policial, face a problemas de saúde de cunho psicológico e em decorrência do falecimento de sua genitora.
O apelo merece provimento.
O crime pelo qual o apelante foi denunciado é de recusa de obediência previsto no art. 163 do CPM nos seguintes termos, in verbis:
“Recusar obedecer a ordem do superior sobre assunto ou matéria de serviço, ou relativamente a dever imposto em lei, regulamento ou instrução”.
Segundo Manzini (“Diritto Penale Militare, p. 158.), o objeto da tutela penal é o interesse relativo à subordinação, ao respeito devido pelo inferior a seu superior, tanto que o tipo penal em foco está inserido no Capítulo V, do Título II, que trata “Da insubordinação”.
Outrossim, a ordem deve versar sobre assunto ou matéria de serviço ou relativamente a dever imposto em lei, regulamento ou instrução, lecionando Célio Lobão (Direito Penal Militar”. Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 190) que “serviços são os atribuídos ao militar, no exercício de função de seu cargo, compreendendo não só os de natureza militar, como também os que, embora sem essa característica, são indispensáveis ao funcionamento da instituição militar, como preparo de refeições, limpeza das dependências do aquartelamento ou do local onde se encontra estacionada a unidade militar, manutenção de aparelhos, dos meios de transporte, do fardamento,calçado, além de outros. Abrange os que se encontram previstos em lei, regulamento, instrução e determinação do superior hierárquico”.
Como implícito nessas lições, exige o delito de recusa de obediência o dolo específico, ou seja, o especial fim buscado pelo agente de, livre e conscientemente, desobedecer a ordem do superior hierárquico.
In casu, o acervo probatório não é denotativo de que o apelante tenha procedido com dolo, vale dizer, com a vontade desimpedida e consciente de desobedecer a determinação da administração militar.
Pelo contrário, quando o apelante recebeu a tarefa de dirigir a viatura policial, comunicou ao superior hierárquico o seu impedimento, em virtude do problema de saúde e do falecimento de sua genitora.
Apontam nesse sentido, de logo, os depoimentos das testemunhas CRISTIANO BARBOSA SANTANA, ANDRÉ LUIZ BARROS BARRETO e WILLIJEANS BATISTA DE SOUZA. Confira-se:
Cap. PMSE CRISTIANO BARBOSA SANTANA:
“(...)
Que sabia do problema de Aurélio. Que ele já tinha passado por um problema psicológico. Que o cabo Aurélio já tinha lhe pedido para não ser escalado. Que nesse período, o réu também estava passando por problemas por causa do falecimento da sua genitora. Que nesse período que o réu tinha sido escalado, ele estava emocionalmente abalado. (...)”.
2º Sgt. PMSE ANDRÉ LUIZ BARROS BARRETO:
“(...)
Que foi informado pelo Cabo PM Aurélio que a viatura não seria ativada porque ele não iria dirigir, alegando que há pouco estava afastado por problemas psiquiátricos e que sua mãe havia acabado de falecer e não apresentava condições de exercer a função de motorista.
Que, anteriormente ao ocorrido, o Cabo PM Aurélio não exercia a função de motorista das viaturas. Que acredita que foi a primeira vez que o militar foi escalado na função.
(...).”
2º Ten. PMSE WILLIJEANS BATISTA DE SOUZA:
“(...)
Quando eu fiquei sabendo que não ia dar entrada em serviço uma viatura na área da Segunda Companhia, eu procurei saber o motivo e o Sargento me explicou que o motorista simplesmente havia se recusado sem justificativa plausível e aí eu pedi que fosse orientado a ele, que conversasse e que depois me desse um retorno. O Sargento me retornou dizendo que continuava irredutível o policial e eu tive que ir ao local e tentei conversar com ele. Pedi para vê a habilitação, ele me mostrou, estava válida, normal. Perguntei se ele estava com algum problema de saúde e ele disse que teve problema psiquiátrico no passado, mas naquele momento não tinha nenhuma dispensa médica. Ele alegou que já havia tido problema psiquiátrico, mas que naquele momento não. Que a ordem de prisão não foi confirmada na Corregedoria da Polícia Militar.
(...).”
Em sintonia com esses depoimentos está o que disse o réu em seu interrogatório em Juízo, ou seja, que explicou ao seu superior hierárquico o motivo que o impedia de dirigir a viatura policial, segue trecho do interrogatório, in verbis:
“(...)
Que eu não dirigia desde 2011, eu estava afastado, aí, desde 2011 para cá não dirigia. Um mês antes desse problema, o Capitão tinha mandado um memorando para mim e eu tinha explicado para ele que não poderia dirigir por causa de problema de saúde, que já tinha pegado ficha no médico. Eu passei afastado por restrição de porte de arma, afastado definitivamente, afastado para não dirigir nesse período, aí já tinha voltado. Voltava e executava a função de comandante, patrulheiro. Aí houve o falecimento de minha mãe no mês de agosto, aí eu passei uns dias de luto afastado. Quando eu retornei para o serviço, estava escalado para motorista, aí eu informei “Sargento não tenho condições, porque passei afastado um tempo”. Que logo depois da ocorrência dos fatos, no dia 22 de agosto de 2013, o psiquiatra disse que eu não podia dirigir. Que foi no HPM e homologou o atestado. Que não queria dirigir, porque poderia colocar em risco a sua vida e a dos colegas. Que nos serviços anteriores não estava escalado para conduzir viaturas. Que informou ao tenente Willijeans que tinha recomendação médica para não dirigir, entretanto, no dia da ordem para dirigir não se encontrava com nenhum documento que comprovasse a recomendação médica, porque foi pego de surpresa. Que não faz parte do quadro de motoristas da Polícia Militar. Que foi afastado em 2011 por problemas psiquiátricos. Do ano de 2012 para cá não colocou a mão na direção de veículo da Polícia Militar.
(...).”
Além da prova oral produzida, é importante citar os 12 (doze) relatórios médicos, comunicações do Hospital da Polícia Militar e da Junta Médica da Polícia Militar acostados aos autos, determinando o afastamento do réu por problemas de saúde, desde o ano de 2011, retratando o seu problema psicológico (fls. 41/51), bem como a certidão de óbito de sua genitora (fl. 52).
Some-se a isso o fato de que a prisão em flagrante do réu não foi ratificada pelo Oficial da Corregedoria, nos termos transcritos a seguir (fls. 05/06):
(...).
Outrossim, informo-vos que realizadas entrevistas junto às partes envolvidas, fora verificada fragilidade dos indícios que apontam a existência de crime militar, pois em nenhum momento teve a intenção de prejudicar o serviço, sendo que na verdade estava sem condições físicas e psicológicas face ao falecimento recente, dia 06 de agosto de 2013, de sua genitora, e por ser o primeiro serviço de motorista após mais de 02 (dois) anos sem dirigir viatura, face a problemas de saúde de cunho psiquiátrico, e estando na iminência de ser flagranteado, face a um equívoco de interpretação da sua intenção, ou seja, a não intenção de cometer a recusa de obediência, se comprometendo a dirigir a viatura, fatos estes confirmados pela testemunha, razão pela qual entendo que não estão presentes todos os elementos legais suficientes para lavrar o presente Auto de Prisão em Flagrante de Delito Militar.
(...).”
No mesmo sentido foi o relatório conclusivo do Inquérito Policial Militar (fls. 63/66):
(...).
Isto posto, concluo que o fato ora apurado restou caracterizado que o Capitão QOPM Luiz Eduardo Góis Paiva, no exercício de sua função de Oficial Plantonista da Corregedoria agiu de forma coerente e dentro do estrito cumprimento da legalidade não ratificando a prisão em flagrante do Cb. PM 4037 Marcos Aurélio Moura de Melo, de acordo com o artigo 247, §2º, do Código de Processo Penal Militar.
Frise-se ainda, que o investigado não possui o devido curso específico e previsto em lei para conduzir veículo de emergência e quando de sua inclusão na Polícia Militar do Estado de Sergipe não foi cobrado em edital a apresentação da Carteira Nacional de Habilitação como critérios de efetividade no cargo. Além de estar com problema de saúde de cunho psiquiátrico e assim sem condições de conduzir a viatura.
(...)
Assim, ratifico, nesse diapasão, e pelas provas devidamente delineadas nos autos e ainda de acordo com o que descreve os Princípios Constitucionais da reserva legal e da Taxatividade e por fim o que descreve o artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal, verifica-se a inexistência de prática de crime de natureza militar.
(...).”
Convém enfatizar que o relatório em epígrafe foi homologado pelo Comandante da Polícia Militar do Estado de Sergipe, nos termos do documento de fl. 70.
Nesse passo, como se vê, a própria administração militar não entendeu como censurável o proceder do réu, razão pela qual, a responsabilização penal, no caso em epígrafe, deve ser afastada, em atenção ao caráter fragmentário do Direito Penal e à possibilidade da conduta ser apurada e resolvida na área administrativa, ante a aplicação de regras de disciplina militar próprias e adequadas ao caso.
Aliás, a Suprema Corte tem preconizado que "o sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor -por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.” (HC 94809, Relator: Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 12/08/2008).
Por isso, o Superior Tribunal de Justiça já exarou que "onde bastem os meios do direito civil ou do direito público, o direito penal deve retirar-se" (STJ - REsp 922.475; Proc. 2007/0026705-0; RS; Sexta Turma; Rel. Min. Nilson Vital Naves; Julg. 13/08/2009; DJE 16/11/2009).
Deveras, embora seja possível identificar enquadramento formal da conduta ao tipo previsto no artigo 163 do CPM, é nítido que o fato aqui examinado não ostenta contornos de infração penal, pois o apelante não agiu com dolo, assim foi o entendimento da própria Polícia Militar quando se manifestou pela inexistência da prática de crime de natureza militar. Ora, o caso vertente não reclama a aplicação do Direito Penal, ultima ratio da intervenção estatal.
Assim, ficou claro nos autos que o réu não teve a vontade, a intenção de recusar a ordem. O tipo do crime previsto no art. 163 do CPM pressupõe o elemento subjetivo do dolo que, como vimos, não houve. Se houve alguma ilicitude no ato do réu, seria, no máximo, uma transgressão disciplinar. Ora, ausente o elemento subjetivo do tipo, o fato se tornou atípico, não se constituindo em infração penal.
Quanto ao tema, pacificada a jurisprudência dos Tribunais Pátrios:
APELAÇÃO CRIMINAL - DIREITO PENAL MILITAR - INFRAÇÃO AO ARTIGO 324, DO CPM - DEIXAR DE ATENDER A UMA OCORRÊNCIA POLICIAL - ATIPICIDADE - INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA - PUNIÇÃO DISCIPLINAR JÁ IMPLEMENTADA - CARÁTER SUBSIDIÁRIO DO DIREITO PENAL - ELEMENTAR DO DELITO NÃO COMPROVADA - MERAS SUPOSIÇÕES - ABSOLVIÇÃO - RECURSO PROVIDO. A conduta perpetrada por policial militar consubstanciada em deixar de atender a uma ocorrência policial pode e deve ser apurada e resolvida na área administrativa, não reclamando a aplicação do Direito Penal, que possui caráter fragmentário e subsidiário e somente deve ser acionado quando os outros ramos do direito - por exemplo o administrativo-disciplinar - não sejam suficientes para proteção dos bens jurídicos envolvidos. Para a caracterização do tipo imputado exige-se, ademais, efetivo prejuízo à Administração Militar, não se conformando com meras suposições. Recurso provido.
(TJ-MS - APL: 00646255020118120001 MS 0064625-50.2011.8.12.0001, Relator: Des. Ruy Celso Barbosa Florence, Data de Julgamento: 19/08/2013, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 10/12/2013);
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME MILITAR. AMEAÇA E VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO (ARTS. 223 E 226, § 1º, DO CPM). SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CRIME DE AMEAÇA. PLEITO PELA CONDENAÇÃO DOS RÉUS. INVIABILIDADE. CONTEXTO PROBATÓRIO QUE NÃO DESVENDOU A IDENTIDADE DE QUAL DOS QUATRO ACUSADOS APONTOU A ARMA DE FOGO PARA A CABEÇA DAS VÍTIMAS. IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DE TODOS OS ENVOLVIDOS, PORQUANTO A DENÚNCIA NÃO NARRA QUE UM TERIA ADERIDO À CONDUTA DO OUTRO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA, CONTUDO, PELA INEXISTÊNCIA DE CRIME (ART. 439, "B", DO CPPM). FATO NARRADO NA EXORDIAL ACUSATÓRIA QUE NÃO CONSTITUI CRIME DE AMEAÇA. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO DE ELEMENTAR DO TIPO PENAL, CONSISTENTE NA INTENÇÃO DE CAUSAR MAL INJUSTO E GRAVE (ELEMENTO SUBJETIVO DOLO). CRIME DE VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O FEITO SEM ANALISAR O MÉRITO. RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE COISA JULGADA. MILITARES QUE FORAM ACUSADOS PELO CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE NA JUSTIÇA COMUM (ART. 3°, "B", DA LEI N. 4.898/1965). EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NAQUELE JUÍZO QUE NÃO FAZ COISA JULGADA NA JUSTIÇA CASTRENSE EM PROCESSO QUE IMPUTA A PRÁTICA, PELOS MESMOS FATOS, DO CRIME DE INVASÃO DE DOMICÍLIO DO CPM (ART. 226). OBJETOS JURÍDICOS TUTELADOS QUE SÃO DISTINTOS. NECESSIDADE DO RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA O PROSSEGUIMENTO DA PERSECUÇÃO PENAL NA JUSTIÇA MILITAR. "Eventual reconhecimento da coisa julgada ou da extinção da punibilidade do crime de abuso de autoridade na Justiça comum não teria o condão de impedir o processamento do Paciente na Justiça Castrense pelos crimes de lesão corporal leve e violação de domicílio" (STF, HC n. 92912/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, j. em 20.11.2007) RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJSC, Apelação Criminal n. 2013.072476-0, da Capital, rel. Des. Newton Varella Júnior, j. 09-04-2015);
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME MILITAR. DESERÇÃO (ART. 187 DO CPM). CONDENAÇÃO EM PRIMEIRO GRAU. RECURSO DEFENSIVO ALMEJANDO A ABSOLVIÇÃO. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DOLO NA CONDUTA PERPETRADA. MILITAR QUE SOFRIA DE GRAVES PROBLEMAS DE SAÚDE. AUSÊNCIA AO SERVIÇO NO PERÍODO COMPREENDIDO NA DENÚNCIA DEVIDAMENTE JUSTIFICADA POR ATESTADO MÉDICO DE PROFISSIONAL DO HOSPITAL DA POLÍCIA MILITAR. INEXISTÊNCIA DE VONTADE LIVRE E CONSCIENTE DE ABANDONAR A CARREIRA MILITAR. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. DICÇÃO DO ART. 439, ALÍNEA "B", DO CPPM. RECURSO PROVIDO.
(TJSC, Apelação Criminal n. 2010.011441-0, da Capital, rel. Des. Torres Marques, j. 18-05-2010);
DESRESPEITO A SUPERIOR – DÚVIDA QUANTO AO DOLO – AGENTE SOB EFEITO DE MEDICAMENTOS – PROVA INSUFICIENTE PARA COMPROVAR SUA CAPACIDADE VOLITIVA NO MOMENTO DOS FATOS - ABSOLVIÇÃO. Policial militar que é colocado em ambulância a fim de ser transportado ao Hospital da Polícia Militar para avaliação psiquiátrica, mas antes é levado ao quartel de cidade do interior de São Paulo, onde recebe voz de prisão, por crime de recusa de obediência, que teria ocorrido meia hora antes. Exaltação de ânimos entre Oficiais e o apelante e sua esposa, redundando em xingamentos aos superiores, que levaram à sua condenação em Primeiro Grau por desrespeito a superiores. Dolo que não foi suficientemente comprovado, uma vez que, segundo consta, o apelante encontrava-se sob efeito de fortes medicamentos, o que poderia ter comprometido sua capacidade volitiva. Insuficiência da prova para a condenação. Apelo provido.
(Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo - APELACAO CRIMINAL Nº 006879/2014 - Feito nº 066726/2013 1a AUDITORIA - 2ª Câmara – julgado em 18/09/2014);
APELAÇÃO. RECUSA DE OBEDIÊNCIA (CPM, ART. 163). DOLO. INSUFICIÊNCIA DE PROVA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA RECORRIDA.
Os autos evidenciam que o Sargento-de-Dia, com o objetivo de organizar a entrada no refeitório dos soldados, deu ordem destinada aos militares que iriam almoçar para que entrassem em forma, tendo o Acusado deixado de cumprir tal ordem mediante a informação de que não iria almoçar.
A conduta típica prevista no art. 163 do CPM, que diz respeito à recusa de obediência de ordem de serviço ou relativamente a dever imposto em lei, regulamento ou instrução, não está devidamente comprovada nos autos.
Existência de razoável dúvida quanto à intenção do Acusado em desobedecer à ordem de seu superior.
O conjunto probatório revela incongruências nas declarações do Ofendido e coerência na versão do Acusado, a qual se encontra harmônica com a prova testemunhal.
A atitude do acusado, no contexto, revela uma desconsideração tendente a deprimir a autoridade do superior, na presença de outros militares, aproximando-se da conduta típica de desrespeito a superior prevista no art. 160 do CPM, delito pelo qual foi absolvido. Apelo ministerial desprovido. Decisão unânime.
(Superior Tribunal Militar – Apelação n.º 0000037-67.2013.7.07.0007 - UF:PE - Decisão: 11/09/2014).
Não foi por outro motivo que a Procuradoria de Justiça, na qualidade de custos legis, por meio do Parecer da Dra. Maria Conceição de Figueiredo Rolemberg, apesar de ter opinado pelo desprovimento do apelo, fez um destaque quanto à situação de enfermidade do apelante, valendo transcrever os seguintes fragmentos:
“(...)
Anotamos que o posicionamento por nós defendido ancora-se no postulado da necessidade de individualização das reprimendas e ainda considera os pormenores subjetivos do caso, não podendo ser desprezado que o estado psicológico do Apelante, anteriormente acometido por transtornos mentais e recém-recuperado da perda de sua genitora, certamente influenciou no rompante de negar-se a cumprir determinação de serviço. A fragilidade emocional somada à iminência de assunção de atividade não costumeira, a dizer, direção de viatura, embora não isente a responsabilidade criminal, explica a insubordinação como ato impulsivo de desequilíbrio, mas não de deliberada indisciplina, até porque os superiores atestaram em juízo o bom comportamento e a exemplar dedicação do Apelante.
(...)”.
Conclui-se, assim, que não restou configurado o elemento subjetivo do tipo, qual seja o dolo, a vontade livre e consciente de desrespeitar seus superiores.
É pertinente registrar que nas condições em que o apelante se encontrava, assumir a direção de uma viatura policial, poderia colocar em risco a vida de várias pessoas, além do que estava infringindo a norma do art. 252, III, do Código de Trânsito Brasileiro.
Destarte, entendo que estamos diante, indubitavelmente, da hipótese prevista no art. 439, “b, do CPPM, in litteris:
“Art. 439. O Conselho de Justiça absolverá o acusado, mencionando os motivos na parte expositiva da sentença, desde que reconheça:
(...)
b) não constituir o fato infração penal;”
Ademais, é preciso considerar que o réu é policial sem antecedentes criminais, que muito provavelmente terá o futuro comprometido por condenação penal militar quando há normas administrativas que possibilitam a sua punição pela suposta falta imputada, sem impor as mesmas repercussões negativas.
De modo que, a contrario sensu do entendimento esposado pelo Conselho Permanente de Justiça Militar, a improcedência do pedido formulado pelo Titular da Ação Penal Pública, impera-se neste caso.
Por isso, consideradas as circunstâncias em que se deram os fatos, o apelante não agiu com intenção de desrespeitar o prestígio e a autoridade da função pública da administração militar.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO AO APELO, reformando a sentença para absolver o réu MARCOS AURÉLIO MOURA DE MELO do crime tipificado no art. 163 do Código Penal Militar, com fundamento no art. 439, b, do CPPM, restando prejudicados os demais pedidos formulados pela defesa.
Registro ser desnecessária a expedição de alvará de soltura para o réu, posto que o mesmo permaneceu solto durante toda a tramitação da ação penal.
É como voto.
Aracaju/SE, 23 de Fevereiro de 2016.
DRA. ANA LÚCIA FREIRE DE A. DOS ANJOS
JUIZ(A) CONVOCADO(A)
Nenhum comentário:
Postar um comentário