sábado, 11 de abril de 2020

CORONAVÍRUS: UMA CRISE NA POLÍTICA OU NA SAÚDE?


Por Ernesto Puglia Neto* e Frederico Afonso Izidoro**

Nossa Constituição Federal de 1988, ela, a nossa Lei Maior (sim, com letras maiúsculas não por acaso, pois nada está acima dela, quando muito na mesma equivalência), afirma logo no parágrafo único do art. 1º que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, ou seja, na República Federativa do Brasil temos a chamada democracia semidireta ou representativa, desta forma, o povo é o titular do poder e, em alguns casos também o exerce (plebiscito, referendo e iniciativa popular), sendo nos demais casos, na maioria diga-se de passagem, o poder é exercido pelos representantes do povo.

Daí surge a primeira pergunta: qual o limite desse poder? É uma “procuração em branco”? Não, jamais, os limites do poder é o Estado de Direito, com sua “guia máxima” chamada Constituição Federal.

O professor Dalmo Dallari, na obra mais clássica de sua autoria (“Elementos de Teoria Geral do Estado”, 23. ed. p. 118) ao abordar o tema, afirma que “A noção de poder está implícita na soberania, que, no entanto, é referida como característica da própria ordem jurídica.”.

Cabe lembrar que nosso País tem a República como forma de governo, o Presidencialismo como sistema de Governo e o mais importante aqui, a Federação como forma de Estado. E, como já havíamos escrito em outrora, a República Federativa do Brasil é soberana, não seus entes (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), estes sim, autônomos.

Temos observado, quase que atônitos, uma verdadeira briga pelo poder em meio à crise sanitária causada pelo coronavírus, que assola o País e o mundo.

Dirigentes políticos se acotovelam para aparecer diante das câmeras, buscando um espaço para proclamar a sua “fórmula mágica” para enfrentar o problema.

Medidas são adotadas à revelia da Lei Maior, de “leis menores”, e, mesmo inconstitucionais e ilegais, são referendadas por interpretações que beneficiam esse ou aquele dirigente político. Os decretos atuais, das mais diversas origens, estão lembrando verdadeiros atos institucionais de um passado recente.

Enquanto isso, o povo (o “titular” do poder), é tratado como inquilino nesse território chamado Brasil!

Inquilino de entes federativos, que contrariando o caput do art. 1º de nossa Lei Maior, não se mostram “unidos”.

Inquilino de três poderes, que contrariando o art. 2º da mesma Bíblia jurídica, não estão sendo “harmônicos”.

As decisões desses dirigentes políticos, muitas vezes diametralmente opostas, são embasadas por técnicos, confundindo ainda mais o povo, com quem deveria se ter o compromisso maior de proteger e informar. Os sanitaristas, ao que parecem, estão acima da Constituição Federal, e os chefes dos Executivos apontam para estes seus “embasamentos por decreto”. Determinado prefeito afirmou: “estou seguindo o mesmo protocolo da Itália”.

Estamos flertando, perigosamente com o chamado crime de secessão!

Nesse cenário de caos, a disputa política parece ser mais importante que a solução do problema. E o troféu, em vez de vir na forma de um remédio ou de um tratamento, já para o próximo mês, virá na forma de um cargo público a ser conquistado a partir de janeiro de 2021 no âmbito municipal e já no “não distante” janeiro de 2023 nas demais esferas.


Morreremos de fome ou de coronavírus? A recessão será pior que a pandemia? Teremos mais falências que falecidos? São perguntas para as quais só teremos respostas quando for tarde demais, pois nossos dirigentes políticos estão preocupados em mostrar quem tem mais poder, em afrontar aquele que foi colocado no cargo máximo e que deveria coordenar todas as ações.

Afinal, embora costumeiramente afirmemos a existência de poderes, assim, no plural mesmo, é sabido que o poder é uno e indivisível.

Ao invés de cooperação, vemos competição! Uma competição da qual não sabemos quem será o vencedor, mas, de pronto, podemos apontar o grande e primeiro perdedor: nós, o povo!

O momento é de solidariedade, altruísmo, cautela, empatia e não de devaneios jurídicos e ações imperialistas. Tampouco é o momento de fazer uso político da crise, buscando espaço, por meio de medidas midiáticas, para surgir como o “salvador da Pátria”.

As ações devem ser coordenadas, integradas, conversadas e negociadas entre cada ente ou poder envolvido, visando sempre ao bem comum e em obediência ao Estado de Direito!

Esses dirigentes políticos não podem esquecer que são apenas representantes escolhidos para, momentaneamente, ocuparem o cargo em que se encontram. Eles sim são os verdadeiros inquilinos que nós, o povo, permitimos ocupar um cargo do qual somos os verdadeiros titulares. Para eles, um aviso: é o momento de guardar lá no fundo do baú a arrogância, o ego e a ganância pelo poder!

Nesses momentos de crise, nunca foi tão relevante a frase atribuída ao ex-presidente norte-americano Abraham Lincoln: “Quase todos os homens são capazes de suportar adversidades, mas se quiser por à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder”.

O que o povo espera, em todas as esferas de atuação, federal, estadual, municipal e distrital – é a UNIÃO e a HARMONIA, afinal, é isso que estabelece nossa Lei Maior, que todos juraram defender!

* Doutor, Mestre e Bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Especialista em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Gestão de Pessoas pelo Insper e Mackenzie. HCMP Expert Professional, pelo Human Change Management Institute. Consultor Internacional em Liderança. Coronel da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Foi Diretor de Polícia Comunitária e Direitos Humanos da PMESP. Professor de Liderança Organizacional no Doutorado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública e de Polícia Comunitária de Segurança Pública e de Liderança em Segurança Pública na Pós Graduação em Segurança Pública da UNISANTA.

** Mestre e Bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Mestre em Direitos Difusos. Pós-graduado em Direitos Humanos. Pós-graduado em Gestão de Políticas Preventivas da Violência, Direitos Humanos e Segurança Pública. Pós-graduado em Direito Processual. Bacharel em Direito. Major da Polícia Militar do Estado de São Paulo (Chefe da Divisão de Direitos Humanos). Professor de Direitos Humanos, Direito Constitucional e Direito Administrativo. Autor de diversas obras pelas editoras Saraiva, Forense, Método dentre outras. Articulista.

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