Porque sejamos francos: se um país se gaba de crescimento do emprego formal, mas ainda assim mantém 44% de sua população na dependência de programas assistenciais, tem algo de podre no reino de Brasília.
DO BOLSA ESCOLA AO BOLSA VIDA ETERNA
O Brasil construiu, tijolinho por tijolinho, uma máquina de assistência. Lá atrás, eram projetos tímidos: Bolsa Escola, Renda Mínima, iniciativas locais. Veio 2003, unificação, e nasceu o Bolsa Família, alçado ao estrelato internacional como exemplo de transferência de renda. Sim, o programa tirou milhões da miséria, mas também criou o que chamam de “muleta institucionalizada”: gente que sobrevive, mas não caminha sozinha.
Na pandemia, veio o Auxílio Emergencial para 67 milhões de pessoas – mais gente que toda a Itália. O que era “rede de proteção” virou colchão inflável para sustentar o país inteiro em queda livre. Mudaram os nomes – Auxílio Brasil, de volta Bolsa Família –, mas o enredo segue: Estado como babá de adultos que o mercado de trabalho não tem como acolher.
O PARADOXO DO TRABALHO FORMAL QUE NÃO TIRA DA POBREZA
De janeiro a julho de 2025, o Brasil criou 1,49 milhão de empregos formais. Maravilha! Só que 77% das vagas foram ocupadas por quem já está no CadÚnico. Ótimo? Nem tanto. Significa que o emprego formal virou complemento do Bolsa, e não substituto.
Os números da FGV são claros: o peso da renda do trabalho caiu, enquanto o dos benefícios sociais subiu. Tradução: mesmo com carteira assinada, o trabalhador brasileiro precisa da teta estatal para pagar o arroz e o gás. É inclusão de papel timbrado, mas de geladeira vazia.
No Nordeste, o drama é ainda mais explícito. Os benefícios sociais já somam quase 10% da renda das famílias. Entre os extremamente pobres, chegam a 80%. E aí o discurso oficial é: “Estamos gerando empregos!”. Sim, mas de salário tão baixo que o cara continua pobre com crachá no bolso.
SERGIPE: O PEQUENO QUE DEPENDE MUITO
Sergipe, o nosso menor estado em território, lidera no quesito “dependência compacta”. Em agosto de 2025, mais de 360 mil famílias estavam no Bolsa Família – um contingente equivalente à metade da população de Aracaju inteira. Só a capital concentra quase 56 mil famílias.
E não para aí: são mais de 60 mil famílias no Auxílio Gás, 135 mil crianças no Benefício Primeira Infância, sem falar nas gestantes e nutrizes cadastradas. Em outras palavras: o sergipano nasce no CadÚnico, cresce no CadÚnico e, se bobear, se aposenta no CadÚnico.
Claro, o estado exibe avanços: qualificação profissional, programas de “Primeiro Emprego”, bons índices educacionais. Mas, na prática, a engrenagem da sobrevivência continua movida pelo pix mensal de Brasília. É o paradoxo do estado competitivo que ainda precisa da mesada federal para não deixar sua gente passar fome.
ALAGOAS: A MÁQUINA DE BENEFÍCIOS EM PLENA ATIVIDADE
Se Sergipe é dependente, Alagoas é especialista na dependência. Em agosto de 2025, o Bolsa Família atendeu 504 mil famílias – praticamente metade do estado inteiro. Só Maceió concentra quase 99 mil famílias. Some aí 131 mil Auxílios Gás e 226 mil crianças no Primeira Infância.
Os números até brilham em relatórios oficiais: queda na desigualdade, avanço em índices de inovação, melhora no Saeb, programas de qualificação como o “É a Minha Vez”. Mas quando a conta chega, a verdade aparece: Alagoas ainda funciona como uma imensa empresa terceirizada do Governo Federal. O dinheiro que circula no comércio, na feira, no boteco da esquina? Muitas vezes é o repasse do Bolsa.
O BURACO É MAIS EMBAIXO: DESIGUALDADE E CAPITAL HUMANO
A raiz disso tudo não está apenas na “boa vontade” de governos em transferir renda. Está na desigualdade estrutural. No Nordeste, a média de escolaridade mal passa dos 9 anos de estudo – dois a menos que no Sudeste. A informalidade domina, e o desalento é a regra: 96% dos extremamente pobres trabalham sem carteira.
“É gente que nem sequer tem como disputar uma vaga digna no mercado formal. O resultado? Uma massa de cidadãos cuja sobrevivência está amarrada a políticas que deveriam ser pontes, mas viraram muletas permanentes.”
O JOGO POLÍTICO DA DEPENDÊNCIA
E aqui chegamos ao pulo do gato: será que algum governo, seja o atual ou os que vieram antes, tem mesmo interesse em reduzir de verdade essa dependência? Ou é mais conveniente manter milhões de brasileiros na palma da mão, cativos de programas que garantem sobrevivência, mas não liberdade? A verdade incômoda é que a pobreza virou moeda política. Programas sociais são fundamentais para não deixar gente morrer de fome, mas também se transformaram em cabos eleitorais invisíveis, pagos religiosamente mês a mês com o dinheiro do contribuinte.
Basta reparar: em época de campanha, cada real a mais no benefício é tratado como ato messiânico. Quem recebe, agradece; quem paga, se revolta; e quem governa, contabiliza em votos. O PT é mestre nisso, não por acaso, a lógica é manter a população dependente, e não autônoma. Afinal, cidadão livre e economicamente independente é imprevisível nas urnas; já o dependente, não – esse vota com medo de perder a esmola oficial.
Em bom português: não é só falta de capacidade do Estado em criar oportunidades, é estratégia política para manter o rebanho no curral eleitoral.
TRAMPOLIM OU COLCHÃO?
Afinal, estamos construindo um país em que a assistência é trampolim para autonomia, ou um colchão que impede qualquer salto?
Porque os 94 milhões de dependentes sociais não são apenas estatística – são prova de que o Brasil ainda não inventou um caminho real para libertar sua população da pobreza.
“Sergipe e Alagoas são laboratórios vivos desse paradoxo: estados que até avançam em indicadores, mas cuja economia real respira por aparelhos ligados a Brasília.”
Enquanto isso, seguimos celebrando empregos formais que não tiram ninguém da pobreza, como quem comemora dieta à base de refrigerante zero. O problema não é ter programas sociais – é depender deles como estrutura permanente. E nisso, convenhamos, o Brasil virou craque.
Tiago Hélcias é jornalista com quase três décadas de vivência no front da notícia — do calor das ruas aos bastidores da política. Atua como apresentador, redator e produtor de conteúdo em rádio, TV e plataformas digitais. É pós-graduado em Marketing Político, especialista em Comunicação Assertiva e mestrando em Comunicação Digital em Portugal.
Fonte: https://tiagohelcias.blogspot.com/2025/09/brasil-nacao-dos-94-milhoes-de.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário