terça-feira, 31 de janeiro de 2017

ÁGUA AINDA É ESMOLA. AFRONTA AO SERTANEJO.

Maior seca

Foto do site:http://www.joseliamaria.com

Entra ano e sai ano e a indústria da seca cresce no Nordeste brasileiro. É um jogo e interesse enorme, passando pelos contratos econômicos e os interesses eleitorais.

Nos últimos anos o Nordeste passa por uma das maiores secas da sua história. E ela afeta cerca de 23 milhões de brasileiros, sim senhores governantes, os sertanejos são brasileiros como vocês.

Como bem diz o amigo Jadson, triste realidade do sertão de pessoas trabalhadoras e esforçadas que não merecem passar tanta agonia.

Até quando um ser humano vai suportar viver com tanta indignidade promovida por outro ser humano que não se digna em produzir uma política hídrica capaz de atenuar a tão ingrata vida de nosso sofrido povo sertanejo.

Lamentável que ainda seja assim. E isso é o que envergonha o bravo nordestino. É o que Afronta o corajoso sertanejo sergipano.

“Água ainda é esmola”. Um texto de Manoel Belarmino, poeta, ambientalista e trabalhador rural de Poço Redondo. De setembro do ano passado, mas sempre novo, assim como são novos os textos de Euclides da Cunha e do poeta Patativa do Assaré.

Água ainda é esmola  por Manoel Belarmino

Nesta tarde de domingo, o meu vício de escrever chega no ápice. E como um sertanejo que na alma e na consciência carrego marcas das cicatrizes dos sofrimentos e das humilhações das politicagens da indústria das secas, recordações me passam na memória como filmes. E recordo minha juventude de trabalhador de alugado nas fazendas de Bento Lima, trabalhava uma semana inteira no alugado para no sábado ganhar o que dava a penas para comprar cinco quilos de carne com osso. Quantas noites o sono secava! As vezes trêmulo de sono e do excesso de cansaço. Como dormi pouco! Quantas noites deitava às dez horas e às quatros da manhã, de madrugada teria que está com uma foice ou um machado em punho. Eu teria que enfrentar a semi-escravidão e o analfabetismo. Só havia duas opções: "sofrer ou morrer". Não sei como escapei.

Nesse meio, quais leituras eu teria que fazer? Que consciência seria moldada no meu ser? O que vale acumular bens às custas da exploração de muitas pessoas? E eu olhava o sertão bonito com uma imensidão de terras e água de sobra no rio Velho Chico e das trovoadas. "Ah, se a terra e água criadas por Deus também fossem minha, eu não passaria mais fome; eu não migraria"(Gogó). Não tive a necessidade de ler Karl Marx. Li poucos livros. Mas li muito o maior livro do mundo: a Natureza. Li cada capítulo. O céu, a terra, o povo, o jeito de o povo viver. A fé.

Olhando o sertão bonito. E as águas que ele tem. E as terras que ele tem. Então eu pergunto a Deus por que tanta terra em tão poucas mãos e eu como filho de Deus, não tenho nem terra, nem água, nem pão?"(Gogó). A letra da música do teólogo Gogó retrata bem a minha vivência naqueles tempos. A luta para ler as letras, escrever... A luta para poder pensar, mesmo nas noites de cansaço extremo, nas noites curtas que intercalavam o trabalho semi-escravo e a noite da escola. A luta pelo acesso a comida e a água. A luta pelo aceso a terra.

Hoje a terra já é minha, mas a água ainda não é minha. A água, a comida e o trabalho no tempo de minha juventude era esmola.

Mas a água ainda é esmola aqui no meu sertão. Água aqui ainda é esmola e é distribuída como se estivéssemos em guerra. A água chega, vinte litros por pessoa, sob o comando e acompanhamento do Exército Brasileiro. A água aqui é distribuída como esmola em pleno século XXI.

"Dar esmola, seu doutor, para o homem que é são, ou lhe mata de vergonha, ou vicia o cidadão"(Zé Dantas). "Chega de esmola, chegou a hora de ser cidadão"(Gogó).

A indústria das secas continua. E nossa luta continua.

Fonte:  Blog do jornalista Cláudio Nunes

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