quarta-feira, 11 de março de 2020

APÓS DENÚNCIA DO ADVOGADO MÁRLIO DAMASCENO, ASSESSOR JURÍDICO DA ASPRA/SE, JUNTO AO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, ATRAVÉS DO PROMOTOR DE JUSTIÇA DR. ALEX MAIA, SOBRE AS CONDIÇÕES INSALUBRES E DEGRADANTES DA 3ª CIA/4º BPM, QUE DESENCADEOU EM UMA AÇÃO CIVIL PÚBLICA, JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL E CRIMINAL DA COMARCA DE NOSSA SENHORA DA GLÓRIA CONCEDE LIMINAR DETERMINANDO A INTERDIÇÃO DA UNIDADE MILITAR NO PRAZO DE 45 DIAS, FACE AS CONDIÇÕES INSALUBRES E DEGRADANTES, SOB PENA DA MULTA DIÁRIA AO ESTADO DE SERGIPE NO VALOR DE R$ 2.000,00, ATÉ O MONTANTE DE R$ 90.000,00.


O juiz de direito da 1ª Vara Cível e Criminal da Comarca de Nossa Senhora da Glória, Dr. Antônio Carlos de Souza Martins, deferiu o pedido liminar em sede de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Estadual daquela comarca, Dr. Alex Maia, após denúncia feita pelo advogado Márlio Damasceno, assessor jurídico da ASPRA/SE (Associação de Praças Policiais e Bombeiros Militares de Sergipe), no blog Espaço Militar, o qual acompanhou pari passu todo o desenrolar do processo, sendo inclusive uma das testemunhas do processo, juntamente com o presidente da ASPRA/SE, Cabo Isaías Silva Santos, em audiência de justificação realizada no último dia 28 de fevereiro do corrente ano, onde também foi realizada uma vistoria por parte do Magistrado, da ASPRA/SE e do diretor da Vigilância Sanitária Municipal, quem comprovaram as péssimas condições da 3ª CIA/4º BPM, sediada naquele município, que não dispõe de condições salubres para o trabalho dos policiais militares.

Na vistoria ficou constatada a situação degradante, quais sejam:  depósitos de fezes de morcego nos alojamentos feminino e masculino, inclusive com o acúmulo de chorume proveniente das fezes em parte do forro de PVC no teto; infestação de ratos, baratas e insetos, onde até cobra coral foi capturada no local; diversas fiações elétricas expostas por toda companhia que a parte externa é de madeira e a parte interna é mistura de compensado com papelão, o que pode ocasionar um incêndio; falta de extintores na unidade; diversos buracos na madeira e compensados, tanto na parte externa e interna, face a infestação de cupins; instalações hidráulicas precárias; ares-condicionados sem refrigerar; diversas janelas danificadas pela ação do tempo; mato tomando conta da companhia; fossa com problemas; banheiros em situações precárias; armários velhos e enferrujados; parte do teto do refeitório de PVC já desabou, existindo também um buraco no telhado que passa o sol e a chuva; corredores sem iluminação; muros das laterais e fundo bem baixos e com cerca de arame, o que facilita a entrada de pessoas, como já ocorreu com o furto de uma escopeta que foi posteriormente recuperada; mato tomando conta da companhia; diversas infiltrações no telhado; camas e colchões surrados, dentre outras (http://www.espacomilitar.com/2020/02/representantes-da-asprase-comparecem.html).

A ASPRA/SE agradece ao Dr. Alex Maia, Promotor de Justiça da Comarca de Nossa Senhora da Glória pelo empenho na Ação Civil Pública impetrada, após ter sido provocado pelo advogado Márlio Damasceno, que mostrou a real situação da 3ª CIA/4º BPM, bem como, ao Magistrado Dr. Antônio Carlos de Souza Martins, pela sensibilidade e brilhante decisão em determinar a interdição de uma companhia que é completamente insalubre e degradante para o trabalho dos valorosos policiais militares.

Confiram abaixo a parte final da decisão liminar do Juiz de Direito da 1ª Vara Cível e Criminal da Comarca de Nossa Senhora da Glória, que determina a interdição da 3ª CIA/4º BPM no prazo de 45 dias:

Consta, da Inicial, que chegou ao conhecimento do Ministério Público que as condições estruturais da atual sede da 3ª CIA. do 4º BPM do Estado de Sergipe estavam e, ainda se encontram, em situação precária, insalubres, infestadas de ratos e morcegos, sem condições mínimas de segurança e indignas para abrigar os praças e oficiais, sendo, por esse motivo, instaurado o Inquérito Civil, tombado sob o nº 55.17.01.0039, na 1ª Promotoria de Justiça do Município de Nossa Senhora da Glória - SE.

Narra, o Autor, que a precariedade do prédio que abriga a Polícia Militar nesta urbe é fato notório, sendo, inclusive, objeto de matérias jornalísticas diversas, asseverando, o Autor, que o imóvel já fora invadido por meliante, que subtraiu armamento de uso restrito, pontuando, também, que tal quadro vexatório ao Governo estadual repercute sobre a comunidade (dano difuso), cuja confiança no escorreito trabalho da polícia militar fica abalada, inibindo a ida à respectiva sede, dada a sua imagem de insegurança e deterioração das instalações, prejudicando, assim, a própria persecução penal, diante da ausência de condições de trabalho mais dignas para os integrantes da força pública.

Prossegue, a narrativa, aduzindo que cidadão que tem seus bens apreendidos ou custodiados ficam alarmados com a possibilidade real e concreta de vê-los depredados, perdidos e deteriorados, diante da ausência de local adequado à guarda dos bens, ressaltando, o Autor, que a sede da 3ª CIA. do 4º BPM não dispõe de galpão, sala reservada ou qualquer local destinado à custodia/guarda de objetos recuperados e apreendidos, ficando esses bens largados, ao relento e à vista de qualquer transeunte que passe na calçada da unidade militar, pois possui apenas uma cerca velha e incompleta de arame a expor toda a sua fragilidade, na parte dos fundos do imóvel.

Aduz, ainda, o Ministério Público, que tentou mediar o problema, provocando o Município de Nossa
Senhora da Glória - SE e o comando local para buscar uma nova sede, surgindo, então, a possibilidade de se utilizar um prédio pertencente ao Município, cuja estrutura física e localização seriam perfeitas a acomodar a mudança, conforme sinalizado pelo Comandante da 3ª CIA., ao passo que o QCGPM/SE enviou projeto de readequação e planta arquitetônica e elétrica do prédio municipal, porém foi omisso quanto à existência de orçamento para realização das obras na sede atual.

Assevera, o Requerente, que requisitou, novamente, ao QCGPM-SE informações acerca do orçamento para a reforma da unidade policial, obtendo a resposta de que a reforma da sede atual estaria inclusa nas demandas do Biênio 2018/2019, informando também que já estavam adiantadas as providências administrativas para a execução de obras na nova sede, reconhecendo, implicitamente, as péssimas condições do prédio atual, tanto que já estavam orçando, junto à CEHOP, o valor total dos ajustes no aludido bem de raiz. Entretanto, o Requerido permaneceu inerte até o momento, sem qualquer tipo de satisfação à sociedade, no tocante à reestruturação da unidade militar.

Diante disso, requer, o Autor, a concessão da Liminar vindicada nos autos.

Instruiu, a Inicial, com os documentos, de págs. 34/303.

Intimado para se manifestar acerca do pedido Liminar, o Requerido apresentou manifestação, às págs.
322/343, juntando documentos.

Instado a se pronunciar, o Presentante do Ministério Público requereu a designação de audiência de justificação, para a análise dos pressupostos da medida cautelar vindicada, nos moldes do art. 300, § 2º, do NCPC.

Realizada a audiência, colheram-se os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Autor (Jéssica Elizabethe Vitor Luduvice, Márlio Damasceno Conceição, Carlos Albino da Costa e Isaías Silva Santos), constando, do Termo, o relatório da inspeção judicial realizada in loco, por este magistrado, conforme relato da pág. 437.

É o relatório. Passo a DECIDIR. 

Ab initio, quanto ao pleito de tutela antecipada, a Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985) prevê a possibilidade de sua concessão no artigo 12, que deve ser auxiliado pela aplicação subsidiária dos requisitos detalhadamente dispostos no Código de Processo Civil.

Cumpre, ainda, registrar que, de acordo com as recentes alterações trazidas pela Lei n° 13.105/2015, a tutela de urgência específica das obrigações de fazer ou não fazer, prevista no art. 461, § 3º do CPC, de 1973, foi extirpada, estando, atualmente, de forma genérica, consolidada na tutela provisória, que pode fundamentar-se em urgência ou evidência (art. 294).

Com efeito, a concessão da antecipação dos efeitos da tutela de urgência pressupõe a presença dos requisitos previstos no art. 300, do atual Código de Processo Civil, ou seja, será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Além disso, é mister observar se a antecipação de seus efeitos finais não resultará no perigo de irreversibilidade do provimento antecipado (§ 3º do art. 300, NCPC).

No caso sub examine, pela farta documentação que instrui a Inicial, bem como pelo relatório de inspeção realizada por este magistrado, in loco, e os depoimentos colhidos em audiência de justificação, vislumbram-se os elementos que evidenciam a probabilidade do direito, pois está demonstrado, de forma clara e precisa, que a atual sede da 3ª CIA. do 4º BPM apresenta graves problemas na infraestrutura, incapaz de oferecer a mínima segurança, sobressaindo a ausência de condições na estrutura funcional e sanitária.

In casu, o perigo da demora se traduz no risco da integridade física e moral dos policiais militares que ali laboram, diante da flagrante ameaça de transmissão de doenças, de incêndio e de desabamento, bem como risco ao cidadão que precisa se utilizar dos serviços prestados pela Companhia. Dessa forma, vislumbra-se um total desprezo às garantias básicas e essenciais dos militares e do cidadão, violando-se, pois, o princípio da dignidade da pessoa humana, que possui matriz prevista no art. 1º, inc. III, da “Lex Fundamentalis”.

Além disso, vislumbra-se o risco para a comunidade em geral, diante da ausência de segurança na unidade militar, que já foi vítima de furto qualificado de arma de fogo.

Em circunstâncias como a da espécie, em que a finalidade buscada envolve a concretização da garantia dos direitos fundamentais, as decisões judiciais tendem a endossar a possibilidade de excepcional controle de políticas públicas.

Veja-se, a propósito, a recente decisão do STJ, em caso substancialmente análogo, in verbis:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS RELACIONADO A INÚMERAS IRREGULARIDADES ESTRUTURAIS E SANITÁRIAS EM CADEIA PÚBLICA.

Constatando-se inúmeras irregularidades em cadeia pública - superlotação, celas sem condições mínimas de salubridade para a permanência de presos, notadamente em razão de defeitos estruturais, de ausência de ventilação, de iluminação e de instalações sanitárias adequadas, desrespeito à integridade física e moral dos detentos, havendo, inclusive, relato de que as visitas íntimas seriam realizadas dentro das próprias celas e em grupos, e que existiriam detentas acomodadas improvisadamente -, a alegação de ausência de previsão orçamentária não impede que seja julgada procedente ação civil publica que, entre outras medidas, objetive obrigar o Estado a adotar providências administrativas e respectiva previsão orçamentária para reformar a referida cadeia pública ou construir nova unidade, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal (REsp 1.389.952-MT, Rel. Ministro Herman Benjamin, julg. em 3/6/2014).”

Convém ressaltar que, diante da necessidade de cumprimento das disposições da constituição Federal, o pedido liminar não esgota o objeto da ação, de forma a infringir os termos do art. 1º, § 3º, da Lei nº 8.437/1992.

Em relação à alegação do Requerido de violação ao princípio da Separação dos Poderes, a ingerência do Poder Judiciário no Poder Executivo só pode ser admitida em casos pontuais, mediante verificação de ilegalidades, ofensa a princípios ou abuso de poder. Não se tratando de nenhuma dessas hipóteses,
deve-se respeitar o Princípio Constitucional da Separação dos Poderes.

Ao Poder Judiciário, portanto, compete a tarefa de fazer cumprir os ditames da Constituição. E, ao Poder Executivo, por sua vez, cumpre fixar as prioridades de sua Administração, estabelecendo quais os setores e serviços devem ser primordialmente atendidos, levando-se em conta os ditames da lei e a existência de verba pública. Portanto, deve o administrador público atuar com discricionariedade na apreciação da conveniência e oportunidade para a realização de obras que considere necessárias segundo a finalidade pública da lei.

E apenas quando for constatada a inércia do Poder Público, de forma que se constitua em manifesto abuso da discricionariedade, com ofensa a direitos e garantias constitucionais, é que cabe ao Poder Judiciário, quando provocado, interferir, sob pena de haver clara ofensa ao princípio constitucional da Separação dos Poderes. Assim sendo, como visto, não cumpre ao Poder Judiciário substituir o administrador público para apontar prioridades e determinar a execução de políticas públicas que evidentemente dependem da análise da conveniência e oportunidade administrativa, as quais também devem se coadunar com previsões e limites estabelecidos em leis orçamentárias, ainda que o faça com o escopo de proteger direitos coletivos. Mas tal não é a hipótese dos autos.

No caso concreto, existe a obrigação legal que se impõe ao Requerido em dotar o prédio de toda a estrutura necessária para a garantia de utilização do espaço com a devida segurança. Isso porque, conforme bem relatado pelo Ministério Público, a sede da 3ª CIA. apresenta os problemas estruturais, há pelo menos 2 (dois) anos. Portanto, o Requerido já teve todo o tempo necessário para adequação, sobretudo, por se tratar de questão afeita à segurança, à vida e à integridade física dos militares e cidadãos. Desse modo, se o Requerido abstém-se de cumprir exigência legal que se traduz em garantia de segurança aos usuários e servidores, encontrando-se inerte, há algum tempo, e não apresentando justificativa razoável para tal, evidente que se omite ao cumprimento de seu dever legal. Assim é que sua desídia em tomar as providências que lhe cabem para a corrigir os problemas estruturais configura inequívoca omissão, a ensejar o provimento jurisdicional requerido, visto que se encontra inadimplente com a efetivação de direito fundamental.

Nesta oportunidade, cabe ressaltar a real situação do imóvel constatada, por ocasião da inspeção judicial, em 28 de Fevereiro de 2020, na sede da 3ª CIA. do 3º BPM, ocasião em que saltou aos olhos deste magistrado a precariedade das instalações daquela unidade militar. Construída em madeira, as instalações mostram-se inapropriadas às condições climáticas da Região Nordeste, caracterizada por altas temperaturas, praticamente, ao longo de todo o ano.

Assim, além da sensação térmica extremamente elevada, os policiais militares precisam conviver com odor desagradável proveniente do acúmulo de fezes de morcego, no forro, e com instalações elétricas precárias, existindo fiação exposta em vários pontos do imóvel, elevando, drasticamente, o perigo de um curto-circuito, desencadeando um possível incêndio, de proporção inimaginável, podendo vir a alastrar-se, rapidamente, em virtude do material de fácil combustão, uma vez que predomina a utilização de madeira.

Nessas circunstâncias, a concessão da Liminar postulada representa medida necessária à preservação do direito a ser discutido nesta ação principal, cuja existência reputo plausível e cuja preservação reclama a imediata intervenção judicial.

POSTO ISSO, fundamentadamente, DEFIRO, inaudita altera parte, o requerimento de Liminar, diante da presença dos requisitos previstos no art. 300, do CPC, e, por conseguinte, DETERMINO a interdição e transferência da sede da 3ª CIA. do 4º BPM do Estado de Sergipe, NO PRAZO DE ATÉ 45 (QUARENTA E CINCO) DIAS, para local adequado e salubre aos agentes de segurança, podendo ser imóvel próprio, cedido ou mesmo alugado, sob pena de multa diária de R$ 2.000,00 (dois mil reais), até o montante de R$ 90.000,00 (noventa mil reais), em favor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, sem prejuízo do disposto no art. 77, do Código de Processo Civil, em observância, também, aos termos dos arts. 12 e 13, da Lei nº 7.347/85, cuja cifra será destinada à implementação de ações de proteção às crianças e aos adolescentes.

Intimem-se as Partes acerca deste decisum, sendo que o Estado de Sergipe deverá ser intimado na pessoa do Exmo. Sr. Governador do Estado de Sergipe.

Dê-se ciência desta decisão ao Comandante-Geral da briosa Polícia Militar do Estado de Sergipe e do
Comandante da 3ª CIA. do 4º BPM, também.

Considerando o protocolo firmado entre TJ/SE e a PGE, para que não fossem designadas audiências de conciliação, prevista no art. 334, do CPC, nos feitos em que o Estado de Sergipe figura como parte, sendo, ainda, informado pela parte autora, na Inicial, o desinteresse da realização da aludida audiência, determino a citação do Requerido, para que, querendo, apresente Contestação, no prazo de 30 (trinta) dias, nos termos dos arts. 183, caput, 334, e 335, I, do novo CPC, sob pena de incidência da Revelia, com esteio no art. 344 do CPC, sem, entretanto, a ocorrência dos efeitos materiais, nos termos do art. 345, inciso II, do CPC.

Após, intime-se, eletronicamente, o Presentante do Ministério Público, para se manifestar acerca da Contestação, inclusive sobre eventual alegação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo de seu direito, e sobre os documentos apresentados (arts. 341 e 437, do NCPC), no prazo de 15 (quinze) dias.

Se houver juntada de novos documentos com a Réplica, vista à Parte Requerida, por 15 (quinze) dias (art. 437, §1º, do NCPC).

Após, promova-se nova conclusão.

Publique-se. Cumpra-se.

Nossa Senhora da Glória/SE, 05 de março de 2020.

ANTÔNIO CARLOS DE SOUZA MARTINS
Juiz de Direito da 1ª Vara Cível e Criminal de Nossa Senhora da Glória

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