Cresce mais uma vez no estado de sergipe a discussão a respeito da munição utilizada no serviço policial, dando a entender que esta deve ser o menos letal possível, visando a preservação da vida. Entretanto, é evidente a falta de conhecimento técnico de algumas pessoas que opinam e que acabam por desconsiderar o principal fator: “A munição deve ser letal o suficiente para solucionar a ocorrência com o menor numero de disparos”. Para compreender melhor tudo isso vamos voltar um pouco no tempo e entender sobre o tema.
A Polícia militar do estado de Sergipe utiliza pistolas no calibre .40 S&W desde o ano de 2001, em substituição ao revolver calibre .38, para o policiamento ostensivo. A primeira instituição policial a utilizar o calibre .40 S&W no Brasil foi a polícia rodoviária federal, também em substituição ao revolver. O calibre .40 S&W foi desenvolvido nos Estados Unidos pela empresa Smith & Wesson, a pedido do FBI, pois os agentes da policia federal americana perceberam que o calibre 9mm não tinha “poder de parada” suficiente, fazendo com que muitas vezes fosse necessário efetuar diversos disparos contra uma mesma pessoa para conseguir fazer cessar a agressão. O episódio conhecido como “tiroteio de Miami”, em 1986, onde dois agentes do FBI morreram e mais cinco ficaram feridos, numa troca de tiros com dois ladroes de banco, foi um evento crucial para que essas mudanças fossem adotadas. A partir do ano 2000, o .40 S&W se tornou praticamente o calibre oficial das Polícias Brasileiras, sendo utilizado em quase todos os estados da federação.
Antigamente, a industria brasileira disponibilizava poucas opções de projétil para o calibre .40 S&W (projétil é a ponta do cartucho, parte que sai da arma e atinge o alvo) limitando-se aos projeteis ogivais de chumbo e encamisados (o projétil encamisado é de chumbo, porém, revestido com uma liga metálica mais dura, conferindo maior poder de perfuração) com ponta plana. O problema desses projéteis é que ainda tinham um poder de transfixação alto, fazendo com que parte da energia não fosse transferida para o alvo, desperdiçando assim a energia produzida pelo disparo e gerando o risco de atingir pessoas inocentes e de não conseguir fazer cessar a injusta agressão provocada pelo criminoso. O “Stopping Power” ou “Poder de parada” é um conceito idealizado com o objetivo de medir a capacidade de uma determinada munição poder cessar uma agressão com o mínimo de disparos possíveis e no menor tempo possível, através da energia cinética transferida do projétil para o alvo e o dano provocado por ele nos tecidos do corpo, levando a um choque do sistema nervoso mas não necessariamente a morte. Para atingir esse objetivo, vários tipos de projéteis foram desenvolvidos em varias partes do mundo, chegando ao que conhecemos hoje como “projéteis expansivos”, que geram os melhores resultados balísticos de “stopping power”. É aí que iniciam as polêmicas.
Projéteis expansivos foram desenvolvidos para, como o nome já diz, expandir quando perfuram tecidos moles, criando uma maior superfície de contato e promovendo uma desaceleração mais acentuada, fazendo com que o projétil pare no corpo e isso provoque uma transferência de energia cinética ideal para o alvo, evitando assim a transfixação e provocando mais dano em um disparo. Em resumo, cada disparo se torna muito mais eficiente.
A PMSE utilizou munição expansiva até o ano de 2008, quando passou a comprar apenas munição encamisada ponta plana para utilização no policiamento ostensivo. O motivo alegado na época foi o menor custo da munição. Rumores circularam o meio policial dando conta de que uma recomendação do Ministério Publico foi feita afirmando que a munição expansiva seria muito letal. Não foi verificada nenhuma documentação que possa provar essa afirmação.
Revistas brasileiras passaram a afirmar, em 2012, que as polícias utilizam munições com projéteis proibidos por convenções de guerra e tratados internacionais de direitos humanos, tratando as instituições policiais brasileiras então como violadoras sistemáticas de direitos. Fazendo uma série de comparações equivocadas, as matérias alegaram que as instituições utilizam projéteis expansivos do tipo Dum-Dum, que foram proibidos pelas convenções de Haia 1899, Genebra 1864 e pelo estatuto de Roma 1998.
As munições do tipo Dum-Dum, na verdade, foram projéteis desenvolvidos no arsenal inglês da província de Dum-Dum, próximo a Calcutá, na Índia, no século 19, e que foram importantes para o desenvolvimento dos projéteis expansivos atuais, mas que possuem uma diferença crucial. Os projéteis do tipo Dum-Dum tem como objetivo expandir e fragmentar dentro do corpo, causando lesões muito extensas e difíceis de tratar, provocando sofrimento desnecessário aos feridos e não ajudando especificamente no “poder de parada” do disparo. A afirmação sobre sofrimento desnecessário, inclusive, está presente nos tratados internacionais que tratam sobre crimes de guerra e dos quais o Brasil é signatário. É preciso entender em primeiro lugar que tais tratados versam a respeito de crimes praticados em tempo de guerra por exércitos e, em segundo lugar, é preciso contextualizar o motivo que levou a inclusão da descrição de projéteis expansivos no tratado, que se referiam aos projéteis do tipo Dum-Dum, que guardam pouca relação técnica com as munições expansivas utilizadas hoje em dia pelas policias Brasileiras e de diversos países.
A Policia Militar de Sergipe utiliza hoje uma munição com menor eficiência balística (apesar da medição de eficiência balística não ser um calculo exato, estima-se uma diferença de 10% a menos de efetividade entre a munição encamisada ponta plana utlizada pela PMSE e modelos de munição expansiva) do que a munição expansiva do tipo “Hollow Point”, aumentando o risco para os policiais em serviço e, consequentemente, para a sociedade em geral. Isso se deve ao fato de que a munição que utilizamos hoje no serviço de policiamento ostensivo, tanto nas pistolas quanto nas carabinas e Submetralhadoras de calibre .40, tem uma maior chance de transfixar o alvo do que munições que se expandem ao se chocar com o corpo (Para ser bem sincero, na verdade é importante entender que todos os projéteis existentes se deformam e expandem no choque com o alvo, mas nos projéteis ditos expansivos isso ocorre de forma mais acentuada, propositalmente). Essa transfixação faz com que parte da energia do disparo seja desperdiçada e ainda existe uma imprevisibilidade quanto a trajetória que esse projetil poderá tomar, caso ultrapasse o corpo que foi alvo inicial do tiro, podendo vitimar pessoas inocentes. O impacto que o agressor sofrerá será menor do que com a munição ideal e poderá continuar tentando contra a vida do operador de segurança ou de cidadãos desarmados da sociedade, obrigando o policial a efetuar mais disparos, uma vez que o objetivo dos disparos não é a morte do individuo agressor, mas sim fazer com que ele cesse a injusta agressão. O tempo necessário para o policial efetuar mais disparos é o tempo que o agressor também terá para continuar tentando contra a vida de terceiros, aumentando o risco geral do confronto para ambos os lados. Analisando esses aspectos, podemos compreender que a munição que alguns alegam ser “menos letal”, na verdade pode ter efeito contrario ao pretendido, aumentando circunstancialmente o risco geral do confronto para o infrator e de forma ainda mais acentuada para o operador de segurança e sociedade civil.
Em conversas informais com operadores de unidades especializadas e do policiamento ostensivo comum, vários foram os relatos de ocorrências em que, devido a baixa eficiência da munição utilizada, foram necessários disparos adicionais para que o criminoso viesse a cessar a agressão. Devido a isso, vários policiais optam por adquirir munição por meios próprios para utilizar em substituição das que o estado fornece, devido ao receio de não poder confiar na munição durante um possível confronto. Diante desse cenário, é importante realizar um estudo mais aprofundado sobre o tema com o objetivo de subsidiar a instituição no processo de compra de munições que se adequem melhor as necessidades do serviço e promovam maior segurança para os seus operadores e para a sociedade em geral.
Artigo escrito por Irlan Massai Calaça dos Santos - Tenente da PMSE
Fonte: Blog do jornalista Cláudio Nunes
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